SEXISMO QUE CULMINOU
EM GENOCÍDIO
O martírio de
mulheres, do qual se tem apenas vislumbres e que não é circunscrito apenas às
perseguições de que foram vítimas, nos primeiros séculos do cristianismo, tem
sido muito pouco divulgado. Assunto, como se viu, comentado nos capítulos sobre
as Mártires Cristãs e no Atos das Apóstolas. Os feitos heróicos ou trágicos que
a História registra falam, especialmente, de protagonistas homens. Pouco se
noticia, por exemplo, sobre a perseguição implacável à mulher no período
medieval, pelos tribunais eclesiásticos da Inquisição, da Igreja Católica.
História bem pouco conhecida no que se refere à participação da mulher e cujos
detalhes tendem a ser esmaecidos com o passar dos anos.
Seria muito bom que as
mulheres conhecessem a saga de suas antepassadas para colaborar na formação de
um conceito melhor e menos leviano acerca de si mesmas. Já se afirmou que “a
raiz da opressão é a falta de memória.”
O conhecimento da
própria história poderá, também, ajudar a acabar com os estereótipos populares
sobre a mulher, caricaturada como “caras e bocas”, longas unhas pintadas e
sapatos de salto alto. Tal retrato em forma de caricatura tende a escamotear o
verdadeiro valor da mulher como ser humano. Não podemos nos omitir e deixar no
esquecimento o fato de que muitas vidas foram ceifadas, não apenas pelas
fogueiras da Inquisição, mas pela força descomunal do preconceito conhecido
como sexismo.
O pouco que se
preservou dos acontecimentos do período inquisitorial mostra que a maioria das
mulheres foi martirizada simplesmente por ser mulher. O gênero feminino causava
desconfiança. O fantasma da maldição de Eva não havia sido, ainda, exorcizado. Os
sinais feitos por Cristo aqui na Terra, sobre a libertação da mulher,
não haviam sido assimilados pela mente masculina, nem pelo povo, nem
pelos religiosos, principalmente, por estes. Talvez, nem as
próprias mulheres tivessem noção dessa realidade; como até hoje acontece.
Ressoa, há intermináveis séculos, na memória da mulher, o mea-culpa, pelo
primeiro pecado.
Jacques Sprenger,
inquisidor e teórico da demonologia, dizia: ”Se hoje queimamos as bruxas, é
por causa de seu sexo feminino.” Outro inquisidor, observa a respeito da
menstruação:
Mensalmente elas se
enchem de elementos supérfluos e o sangue faz exalar vapores que se elevam e
passam pela boca e pelas narinas e outros condutos do corpo, lançando feitiços
sobre tudo que elas encontram.116
O corpo da mulher era,
em si mesmo, tido como fonte de malefícios, não só pela lembrança de Eva, mas
também pela falta de conhecimento sobre a fisiologia feminina. Os disparates
que diziam a respeito da menstruação beirava os limites da sandice. Nesse
tempo, vivia-se a idolatria do corpo masculino; herança de costumes pagãos
cujos cultos alcançavam seu ponto máximo nas chamadas festas de Falofórias.
No período
inquisitorial, que se inicia na Idade Média e vai até o século 16, no qual se
intensificam as perseguições e as condenações à morte na fogueira, milhares de
mulheres foram submetidas às mais atrozes torturas e, depois assassinadas. A
perseguição, sem dúvida avassaladora, movida contra os judeus pelos tribunais
eclesiásticos, perante os quais eram tidos como hereges, aparece com destaque
nos registros históricos. Não obstante, entre os condenados a proporção era de
nove mulheres para cada homem, segundo dados históricos; e disso pouco se fala.
“É pelo sexo, por
natureza impuro e maléfico, que ela se faz bruxa.” Esse pensamento, de um dos
inquisidores, fundamentado nos ritos de Sabá, deixa entrever a essência que
levou ao verdadeiro genocídio perpetrado contra a mulher na época da Inquisição.
A luta era contra o gênero feminino; a desculpa apresentada era a de prática
de bruxaria – especialmente contra a mulher – e de heresia. As vítimas eram
escolhidas aleatoriamente como objetos de uma ação discriminatória, alvos de
furioso preconceito. As acusadas dificilmente conseguiam provar que os crimes
contra elas assacados eram imaginários ou caluniosos, ainda sendo inocentes.
Confirmação de que contra a força não há argumento.
Contudo, não se tem
notícia de genocídio perpetrado contra bruxos. Refiro-me, claramente, a
genocídios e não à morte de um ou outro homem condenado por bruxaria.
Certamente, porque o corpo masculino era tido, “por natureza” como puro e
benéfico... ao contrário do que pensavam sobre o corpo feminino. (Continua).
Nenhum comentário:
Postar um comentário