A ALMEJADA UNIDADE
Por meio do batismo, permitido tanto às mulheres como aos homens, em
substituição ao antigo rito da circuncisão, os crentes revestidos de Cristo,
alcançam a almejada unidade, conforme descrito em Gálatas 3. 26- 28. Assim,
naturalmente, as consequências do pecado gerado pela Queda, e que se faziam
sentir nos relacionamentos estruturados em princípios de subordinação, em
categorias hierárquicas, não têm mais efeito sobre a comunidade cristã. As
coisas velhas já passaram, eis que tudo se fez novo (2 Coríntios 5.17b). Sobre
os escombros da antiga humanidade, surge a nova nação na qual se desenvolve o
sacerdócio universal dos crentes. Pelo batismo, todos passam a viver num novo
tempo e a participar do sacerdócio cuja direção encontra-se nas mãos de Jesus
Cristo, nosso Sumo Sacerdote. Temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de
Deus, que penetrou nos céus (Hebreus 4.14a).
O tema a respeito do sacerdócio de todos os crentes, enfatizado na
Reforma, por Lutero, como um dos princípios do protestantismo, destaca que
todas as pessoas ao aceitarem Cristo como seu Senhor e Salvador, pela fé, têm
acesso à graça divina - sem necessidade de qualquer mediador específico, ou
seja, de um sacerdote ordenado. Ao contrário do que propalava a teologia
medieval, ao afirmar terem os crentes acesso à graça divina unicamente por
meio dos sacramentos da Igreja, caso em que a figura do sacerdote seria
essencial. Necessariamente, serviria como instrumento do Pai Eterno na
dispensação da graça e do perdão, ao apresentar as ofertas do povo de Deus.
Em contraposição, no novo tempo, conforme revelado pelo apóstolo
Pedro, todos os crentes podem oferecer sacrifícios espirituais, agradáveis a
Deus por meio de Jesus Cristo: Vós também, como pedras vivas, sois edificados
casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis
a Deus por Jesus Cristo. (1 Pedro 2.5)
Lutero faz valer a verdade bíblica de que cada crente tem acesso
direto ao Pai, ao Lugar Santo, onde Deus habita; e não somente o sumo
sacerdote, como acontecia no passado remoto. Dispensada está, portanto, a intermediação
de pessoas especialmente ordenadas para a função porque, segundo o Novo
Testamento: Ele nos fez reis e sacerdotes para Deus e seu Pai: a ele glória e
poder para todo o sempre. Amém. (Apocalipse 1.6).
O sacerdócio levítico, do passado, instituído por Deus entre o povo de
Israel, focava-se no cargo ordenado; hoje, o sacerdócio universal dos crentes,
revelado no Novo Testamento, tem seu foco na Igreja como um todo – constituída
por crentes-sacerdotes - e pode-se destacar sem medo de errar, por
sacerdotisas.
Não obstante, eruditos cristãos, apontam um paradoxo no pensamento de
Lutero ao tratar dos efeitos desse tema sobre o universo feminino. Ele não
aceitava que as mulheres pudessem ocupar o cargo ordenado de Pastora. Ao
transferir a questão do nível teológico para o da vida prática, em atendimento
às conveniências sociais, ele declarava que as mulheres “eram destinadas por
Deus a cuidar do lar”. Incoerência na qual Lutero incorreu por não ter
conseguido esquivar-se à influência do pensamento medieval de caráter misógino
que predominava naquela
sociedade. Época na qual não se vislumbrava outra perspectiva para a
mulher a não ser a de realizar-se como esposa e mãe. Contudo, não há motivo
para escândalo na atitude de Lutero, que falou como um típico cidadão da Idade
Média. Como teólogo, Lutero supera essa fraqueza, uma vez que é, justamente,
dentro da doutrina luterana que sobressai o princípio do sacerdócio universal
dos crentes. Como o próprio nome indica é universal, sendo que a mulher
compartilha do mesmo em igualdade de condições com o homem, inclusive no acesso
ao púlpito.
Saliente-se, mais uma vez, que a discriminação da mulher por parte de
Lutero não era de caráter ontológico, mas, relativa à função que desempenhava
na sociedade. A Idade Média, convém lembrar, foi uma época fortemente dominada
pelo sexismo, quando então a mulher era discriminada simplesmente pelo fato de
ser mulher. Poderia ser arriscado permitir-lhe o acesso ao cargo pastoral, até
mesmo pela celeuma que esse fato poderia causar.
Ao voltar nossa atenção para o presente século e verificarmos, ainda,
a existência de focos de discriminação contra a mulher, no meio cristão, isto
sim, é motivo de perplexidade e escândalo. Pertencer ao terceiro milênio
pensando e se comportando como um cidadão medieval no que concerne ao
reconhecimento dos direitos das mulheres cristãs, como fazem os
complementaristas (antifeministas) é, sim, incompreensível. Ao agir desse modo,
eles contrariam o exemplo e a vontade de Cristo e caminham na contramão da
sociedade, na qual os ideais da igualdade cristã já estão sendo praticados.
Stanley Grenz, resume bem a questão ao declarar:
Os igualitários, por sua vez acreditam que, em vez de ser o resultado
de idéias seculares doentias invadindo a Igreja, o impulso para a ordenação de
mulheres representa uma obra do Espírito. E a capacitação de mulheres para o
ministério poderia possivelmente revitalizar a Igreja contemporânea.
Todo cristão sabe que vivemos na era da graça. Tendo em vista esse
fato, podemos acrescentar que a saudação de Jesus, ressurreto - ao dizer às
mulheres: Eu vos saúdo! – não possuía o significado apenas de um cumprimento
comum; à semelhança daquele que dirigimos uns aos outros diariamente. O
Salvador, ao inaugurar essa nova era, estava abrindo as portas de um novo tempo
para o gênero feminino. Sua saudação, efetivamente, teria o significado de:
sejam bem-vindas ao Reino de Deus! Aleluia!
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