A QUESTÃO DO TRAJE E DO VÉU
Paulo, juntamente com os demais apóstolos, mantinham-se vigilantes quanto à boa fama da igreja, que era incansavelmente perseguida pelos judeus e
olhada de viés pelos pagãos. Para não dar motivos a escândalos, determinou que
as mulheres mantivessem o uso do véu ou xale na cabeça. Não obstante rejeitar
os costumes judáicos, conservou essa prática observada, também, nas sinagogas,
local onde as mulheres só podiam permanecer com a cabeça coberta por véu, eram
proibidas de falar e ficavam numa outra ala, separadas dos homens.
O apóstolo Paulo porfiava por fazer entender aos cristãos, provindos
do judaísmo, que não estavam mais sob o jugo da Lei, motivo pelo qual era
necessário que se livrassem dos antigos hábitos e costumes. Contudo, no caso da
mulher, o véu ou xale – cobertura de cabeça – subsistiu. Sua finalidade, porém,
excedia o manter tradição ou costume a fim de evitar escândalos; havia algo
mais importante a ser observado, como se pode ler em 1 Coríntios 11.5: Mas toda
a mulher que ora ou profetiza com a cabeça descoberta, desonra a sua própria
cabeça, porque é como se estivesse rapada.
Antes de entrar no mérito da questão, observemos a alvissareira
notícia de que as mulheres eram livres para orar e profetizar nas assembleias.
É muito agradável saber que, nos primórdios da Igreja, era permitido a elas,
nos cultos, exortar e edificar a congregação; ações estas reconhecidas como
decorrentes do ato de profetizar. Evidência que atesta, também, o exercício da
liderança e da autoridade das primeiras cristãs.
Diante do relatado, a questão do véu fica em segundo plano. Todavia,
entre os teólogos há debates intermináveis a respeito do seu real significado.
Uns acreditam tratar-se de um gesto de submissão da mulher ao marido, o que
configuraria discriminação, hierarquia. Outros, defendem a tese:
O uso do véu pelas mulheres não era um sinal de inferioridade ou de
submissão; é no contexto cultural do tempo, um sinal de dignidade, uma marca de
decência: pura questão de conveniência que poderia encontrar, em outros tempos,
outras soluções.
Jerome Murphy O´Connor, por sua vez, sintetiza a questão de um modo
bem interessante, declarando:
Paulo estava preocupado com a distinção entre os sexos e não com a
discriminação. Ele não exigia que as mulheres usassem véu como sinal de
subordinação aos homens, mas que tivessem o cabelo bem arrumado, em vez de solto
e desarrumado, e que os homens usassem cabelo curto.
Seguramente, os motivos que levaram o apóstolo a orientar sobre a
maneira como as mulheres deveriam usar os cabelos não eram de natureza
estética. A motivação era a mesma que o levou a orientá-las, também, a se
vestir adequadamente. Ou seja, para manter bem longe da igreja dos santos
costumes ou comportamentos próprios dos povos pagãos. Convém salientar que nos
cultos a Dionísio, Cibele, Pítia e Sibila o cabelo solto era necessário para a
mulher produzir encantamentos mágicos eficazes.
Ainda, a respeito do uso do véu, na passagem de 1 Coríntios 11.10,
lemos: Portanto, a mulher deve ter sobre a cabeça sinal de poderio, por causa
dos anjos. Texto que tem dado muito trabalho aos exegetas, especialmente em sua
segunda parte, ou seja, na referência aos anjos.
Não há uma resposta aceita consensualmente sobre o seu verdadeiro
significado. Uns pensam tratar-se de anjos bons, sempre presentes em momentos
de culto a Deus. Seria um sinal de respeito a eles? Outros colocam em dúvida
essa versão, sem apresentar outra solução aceitável, enquanto o texto permanece
envolto em mistério. Não obstante, uma coisa é certa, na primeira parte da
frase, ao falar do uso do véu como sinal de poderio da mulher, o apóstolo vem
derrubar a teoria de que o seu uso signifique submissão ao homem. Certamente,
diz respeito ao direito de a mulher marcar a presença feminina nos cultos de
adoração a Deus, nos quais ela poderia expressar-se à sua maneira, e não à
maneira masculina. Assim denotaria a própria identidade livremente, na presença
do Altíssimo.
O cuidado em acentuar a diferença do viver cristão em relação ao viver
profano - uma constante no ministério de Paulo - deve ter influenciado
grandemente na questão do uso do véu. Basta observar que o costume era bastante
difundido não somente entre as mulheres na sinagoga, mas, também, entre as
gregas. Nesse sentido, observe-se o que acontecia nos rituais profanos, em cultos
extáticos:
A possessão pela divindade era simbolizada pela remoção da cobertura
da cabeça, provavelmente pelo sacudir ou lançar para trás o cabelo, e pela
troca de roupas entre homens e mulheres.
Motivos mais do que suficientes para o apóstolo determinar que as
mulheres cristãs permanecessem com o véu dentro da igreja e, também, para
marcar claramente a diferença entre o modo de vestir de homens e mulheres.
Todavia, Stanley Grenz, acrescenta ao tema um elemento surpresa, ao
afirmar: “Os debates entre eruditos indicam com clareza que não podemos mais
simplesmente supor que Paulo tinha em mente um véu real.” Definitivamente,
isso vem descartar a questão da submissão da mulher representada pelo uso do
véu. Vem provar, também que, no sentido material, o seu uso estava mais
relacionado a demarcar com nitidez, como já foi dito, a diferença entre
mulheres cristãs e não-cristãs e entre homens e mulheres cristãos, cada qual
conservando no vestuário e no penteado as características próprias dos gêneros.
Quanto a não se tratar de um véu real, vejamos o que dizem os exegetas.
Corroborando a tese de que o texto paulino não se referia a um véu
real, o resultado de estudos linguísticos, de grande número de estudiosos,
levam a crer que Paulo refere-se a uma autoridade possuída pela própria mulher.
O termo grego exousia simplesmente não pode ser interpretado aqui como fazendo
referência a uma cobertura real da cabeça, porque todo emprego paulino de
exousia indica uma realidade abstrata ou que tenha essa qualidade abstrata. Em
vista desta descoberta, o texto deveria ler: A mulher deve ter autoridade (isto
é, liberdade, direito ou controle) sobre a sua cabeça.
Significando, de maneira específica, o reconhecimento da autoridade e
da liberdade da mulher de participar da adoração da igreja, tendo-se em vista,
os tempos passados, quando à mulher não era permitido sequer falar na sinagoga.
O que nos leva a acrescentar, prova indubitável da autonomia espiritual da
mulher que lhe foi conferida por Cristo.
A atenção do apóstolo ao voltar-se, também, para a questão da roupa
feminina tinha em vista dois objetivos: um deles, já mencionado, que fosse bem
distinta da maneira de vestir dos homens; o outro, referia-se à decência e à
modéstia com que a mulher verdadeiramente cristã deveria vestir-se – em
contraste com as modas adotadas pelas mulheres mundanas.
O apóstolo colocou restrições ao uso de trajes vistosos e ao costume
de trançar os cabelos enfeitando-os com pérolas ou adereços de ouro. A falta de
bom-senso de algumas mulheres, que não levavam em conta os interesses da
Igreja, certamente, foi o que induziu Paulo a fazer esta observação: Que do
mesmo modo as mulheres se ataviem em traje honesto, com pudor e modéstia, não
com tranças, ou com ouro, ou pérolas ou vestidos preciosos. (1 Timóteo 2:9).
Estava coberto de razão, pois, a mulher causaria constrangimento aos
cristãos ao desfilar, diante dos olhares maliciosos de fariseus e pagãos com
joias, vestidos caríssimos e chamativos, tal como se estivesse num templo
pagão ou numa festa grega. Era preciso fazer a diferença. Até aí, aplausos para
Paulo, quando fala que “se ataviem em traje honesto, com pudor e modéstia.”
Nada a ver, portanto, com recato pueril.
Suas palavras equivaleriam a dizer, cruamente, às mulheres nos dias de
hoje: Não vão à igreja vestidas de forma vulgar – usando microssaia, bustiê e
botinha; e com os cabelos pintados de azul, vermelho ou verde. Tampouco, entrem
na casa de Deus vestidas com traje a rigor e cobertas de jóias. Ficava mal para
a igreja no passado, como ficaria hoje, se as mulheres cristãs adotassem um
modo escandaloso ou exótico de vestir-se. Da mesma maneira, seria bem estranho
episcopisas (bispas) ou pastoras ostentarem, no púlpito, vestidos preciosos.
Demasiado interesse por coisas materiais denota falta de perspectiva
espiritual.
Aquelas cristãs recém-convertidas precisavam de tempo para livrar-se
dos hábitos próprios do meio donde provinham. Algumas, de nacionalidade grega,
pertencentes a famílias de posses, eram as que mantinham o costume de trançar
os cabelos com pérolas e ouro e usavam os tais vestidos preciosos. Costume
que, certamente, deixava as mais pobres constrangidas e distraía a atenção
Mensageiras da Ressurreição 73
da assembléia nos momentos de culto. Poderia dar-se o caso de virem a
ser imitadas pelas outras mulheres e seus modelos virarem moda; seria o mesmo
que transformar a casa de Deus – local de oração e adoração - em passarela de
moda. Paulo não se omitiu da tarefa de purificar o templo.
Ressalvado o cuidado de manter a decência no trajar e na aparência
pessoal, visando a evitar comportamentos escandalosos, Paulo não discriminou
as mulheres. Reafirmamos sempre ser injusta a sua fama de machista. Suas
cartas não testificam contra ele, ao contrário, negam essa fama. Ele estimava
as cooperadoras, às quais dedicava grande consideração, tratando-as como
verdadeiras irmãs e discípulas de Cristo. Suas orientações não são dirigidas
somente às mulheres, nos quesitos roupa e cabelo. Aos homens, também, exorta: A
mesma natureza não vos ensina que é desonroso para o homem trazer cabelos
compridos? (1 Coríntios 11.14a).
Ao insistir no modo de se apresentar diferenciado entre homens e
mulheres, Paulo reafirma as palavras registradas em Deuteronômio 22.5, sobre o
assunto: Não haverá traje de homem na mulher, e não vestirá o homem veste de
mulher: porque qualquer que faz isto abominação é ao Senhor, teu Deus. Convém
notar que a troca de roupas entre homens e mulheres ocorria nos templos pagãos,
quando ambos se encontravam sob possessão maligna.
Os dois objetivos, ordem no culto e bom senso no que se refere aos
costumes e à aparência, por parte dos crentes de ambos os sexos, buscados
insistentemente pelo apóstolo Paulo, com certeza, não saem de moda.
São tão válidos hoje, quanto foram no passado. Por outro lado, a
consciência manda-nos observar que bom senso (Continua).