domingo, 15 de janeiro de 2017

                                   A QUESTÃO DO TRAJE E DO VÉU
Paulo, juntamente com os demais apóstolos, man­tinham-se vigilantes quanto à boa fama da igreja, que era incansavelmente perseguida pelos judeus e olhada de viés pelos pagãos. Para não dar motivos a escândalos, de­terminou que as mulheres mantivessem o uso do véu ou xale na cabeça. Não obstante rejeitar os costumes judái­cos, conservou essa prática observada, também, nas si­nagogas, local onde as mulheres só podiam permanecer com a cabeça coberta por véu, eram proibidas de falar e ficavam numa outra ala, separadas dos homens.
O apóstolo Paulo porfiava por fazer entender aos cristãos, provindos do judaísmo, que não estavam mais sob o jugo da Lei, motivo pelo qual era necessário que se livrassem dos antigos hábitos e costumes. Contudo, no caso da mulher, o véu ou xale – cobertura de cabeça – subsistiu. Sua finalidade, porém, excedia o manter tra­dição ou costume a fim de evitar escândalos; havia algo mais importante a ser observado, como se pode ler em 1 Coríntios 11.5: Mas toda a mulher que ora ou profetiza com a cabeça descoberta, desonra a sua própria cabeça, porque é como se estivesse rapada.
Antes de entrar no mérito da questão, observemos a alvissareira notícia de que as mulheres eram livres para orar e profetizar nas assembleias. É muito agradável sa­ber que, nos primórdios da Igreja, era permitido a elas, nos cultos, exortar e edificar a congregação; ações estas reconhecidas como decorrentes do ato de profetizar. Evi­dência que atesta, também, o exercício da liderança e da autoridade das primeiras cristãs.
Diante do relatado, a questão do véu fica em segun­do plano. Todavia, entre os teólogos há debates intermi­náveis a respeito do seu real significado. Uns acreditam tratar-se de um gesto de submissão da mulher ao marido, o que configuraria discriminação, hierarquia. Outros, defendem a tese:
O uso do véu pelas mulheres não era um sinal de inferioridade ou de submissão; é no contexto cultural do tempo, um sinal de dignidade, uma marca de decência: pura questão de conveniência que poderia encontrar, em outros tempos, outras soluções.
Jerome Murphy O´Connor, por sua vez, sintetiza a questão de um modo bem interessante, declarando:
Paulo estava preocupado com a distinção entre os sexos e não com a discriminação. Ele não exigia que as mulheres usassem véu como sinal de subordinação aos homens, mas que tivessem o cabelo bem arrumado, em vez de solto e desarrumado, e que os homens usassem ca­belo curto.
Seguramente, os motivos que levaram o apóstolo a orientar sobre a maneira como as mulheres deveriam usar os cabelos não eram de natureza estética. A motiva­ção era a mesma que o levou a orientá-las, também, a se vestir adequadamente. Ou seja, para manter bem longe da igreja dos santos costumes ou comportamentos próprios dos povos pagãos. Convém salientar que nos cultos a Dio­nísio, Cibele, Pítia e Sibila o cabelo solto era necessário para a mulher produzir encantamentos mágicos eficazes.
Ainda, a respeito do uso do véu, na passagem de 1 Coríntios 11.10, lemos: Portanto, a mulher deve ter sobre a cabeça sinal de poderio, por causa dos anjos. Texto que tem dado muito trabalho aos exegetas, especialmente em sua segunda parte, ou seja, na referência aos anjos.
Não há uma resposta aceita consensualmente so­bre o seu verdadeiro significado. Uns pensam tratar-se de anjos bons, sempre presentes em momentos de culto a Deus. Seria um sinal de respeito a eles? Outros colo­cam em dúvida essa versão, sem apresentar outra solução aceitável, enquanto o texto permanece envolto em mis­tério. Não obstante, uma coisa é certa, na primeira parte da frase, ao falar do uso do véu como sinal de poderio da mulher, o apóstolo vem derrubar a teoria de que o seu uso signifique submissão ao homem. Certamente, diz respeito ao direito de a mulher marcar a presença femini­na nos cultos de adoração a Deus, nos quais ela poderia expressar-se à sua maneira, e não à maneira masculina. Assim denotaria a própria identidade livremente, na pre­sença do Altíssimo.
O cuidado em acentuar a diferença do viver cristão em relação ao viver profano - uma constante no minis­tério de Paulo - deve ter influenciado grandemente na questão do uso do véu. Basta observar que o costume era bastante difundido não somente entre as mulheres na sinagoga, mas, também, entre as gregas. Nesse sentido, observe-se o que acontecia nos rituais profanos, em cul­tos extáticos:
A possessão pela divindade era simbolizada pela remoção da cobertura da cabeça, provavelmente pelo sa­cudir ou lançar para trás o cabelo, e pela troca de roupas entre homens e mulheres.
Motivos mais do que suficientes para o apóstolo de­terminar que as mulheres cristãs permanecessem com o véu dentro da igreja e, também, para marcar claramente a diferença entre o modo de vestir de homens e mulheres.
Todavia, Stanley Grenz, acrescenta ao tema um ele­mento surpresa, ao afirmar: “Os debates entre eruditos indicam com clareza que não podemos mais simples­mente supor que Paulo tinha em mente um véu real.” Definitivamente, isso vem descartar a questão da submis­são da mulher representada pelo uso do véu. Vem provar, também que, no sentido material, o seu uso estava mais relacionado a demarcar com nitidez, como já foi dito, a diferença entre mulheres cristãs e não-cristãs e entre homens e mulheres cristãos, cada qual conservando no vestuário e no penteado as características próprias dos gêneros. Quanto a não se tratar de um véu real, vejamos o que dizem os exegetas.
Corroborando a tese de que o texto paulino não se referia a um véu real, o resultado de estudos linguísticos, de grande número de estudiosos, levam a crer que Paulo refere-se a uma autoridade possuída pela própria mulher. O termo grego exousia simplesmente não pode ser interpretado aqui como fazendo referência a uma cobertura real da cabeça, porque todo emprego paulino de exousia indica uma realidade abstrata ou que tenha essa qualidade abstrata. Em vista desta descoberta, o texto deveria ler: A mulher deve ter autoridade (isto é, liberdade, direito ou controle) sobre a sua cabeça.
Significando, de maneira específica, o reconheci­mento da autoridade e da liberdade da mulher de parti­cipar da adoração da igreja, tendo-se em vista, os tempos passados, quando à mulher não era permitido sequer falar na sinagoga. O que nos leva a acrescentar, prova in­dubitável da autonomia espiritual da mulher que lhe foi conferida por Cristo.
A atenção do apóstolo ao voltar-se, também, para a questão da roupa feminina tinha em vista dois objetivos: um deles, já mencionado, que fosse bem distinta da ma­neira de vestir dos homens; o outro, referia-se à decência e à modéstia com que a mulher verdadeiramente cristã deveria vestir-se – em contraste com as modas adotadas pelas mulheres mundanas.
O apóstolo colocou restrições ao uso de trajes vis­tosos e ao costume de trançar os cabelos enfeitando-os com pérolas ou adereços de ouro. A falta de bom-senso de algumas mulheres, que não levavam em conta os in­teresses da Igreja, certamente, foi o que induziu Paulo a fazer esta observação: Que do mesmo modo as mulheres se ataviem em traje honesto, com pudor e modéstia, não com tranças, ou com ouro, ou pérolas ou vestidos precio­sos. (1 Timóteo 2:9).
Estava coberto de razão, pois, a mulher causaria constrangimento aos cristãos ao desfilar, diante dos olha­res maliciosos de fariseus e pagãos com joias, vestidos ca­ríssimos e chamativos, tal como se estivesse num templo pagão ou numa festa grega. Era preciso fazer a diferença. Até aí, aplausos para Paulo, quando fala que “se ataviem em traje honesto, com pudor e modéstia.” Nada a ver, portanto, com recato pueril.
Suas palavras equivaleriam a dizer, cruamente, às mulheres nos dias de hoje: Não vão à igreja vestidas de forma vulgar – usando microssaia, bustiê e botinha; e com os cabelos pintados de azul, vermelho ou verde. Tampouco, entrem na casa de Deus vestidas com traje a rigor e cobertas de jóias. Ficava mal para a igreja no passado, como ficaria hoje, se as mulheres cristãs adotas­sem um modo escandaloso ou exótico de vestir-se. Da mesma maneira, seria bem estranho episcopisas (bispas) ou pastoras ostentarem, no púlpito, vestidos preciosos. Demasiado interesse por coisas materiais denota falta de perspectiva espiritual.
Aquelas cristãs recém-convertidas precisavam de tempo para livrar-se dos hábitos próprios do meio donde provinham. Algumas, de nacionalidade grega, perten­centes a famílias de posses, eram as que mantinham o costume de trançar os cabelos com pérolas e ouro e usa­vam os tais vestidos preciosos. Costume que, certamente, deixava as mais pobres constrangidas e distraía a atenção Mensageiras da Ressurreição 73
da assembléia nos momentos de culto. Poderia dar-se o caso de virem a ser imitadas pelas outras mulheres e seus modelos virarem moda; seria o mesmo que transformar a casa de Deus – local de oração e adoração - em passa­rela de moda. Paulo não se omitiu da tarefa de purificar o templo.
Ressalvado o cuidado de manter a decência no trajar e na aparência pessoal, visando a evitar compor­tamentos escandalosos, Paulo não discriminou as mu­lheres. Reafirmamos sempre ser injusta a sua fama de machista. Suas cartas não testificam contra ele, ao con­trário, negam essa fama. Ele estimava as cooperadoras, às quais dedicava grande consideração, tratando-as como verdadeiras irmãs e discípulas de Cristo. Suas orienta­ções não são dirigidas somente às mulheres, nos quesitos roupa e cabelo. Aos homens, também, exorta: A mesma natureza não vos ensina que é desonroso para o homem trazer cabelos compridos? (1 Coríntios 11.14a).
Ao insistir no modo de se apresentar diferencia­do entre homens e mulheres, Paulo reafirma as palavras registradas em Deuteronômio 22.5, sobre o assunto: Não haverá traje de homem na mulher, e não vestirá o homem veste de mulher: porque qualquer que faz isto abominação é ao Senhor, teu Deus. Convém notar que a troca de roupas entre homens e mulheres ocorria nos templos pagãos, quando ambos se encontravam sob pos­sessão maligna.
Os dois objetivos, ordem no culto e bom senso no que se refere aos costumes e à aparência, por parte dos crentes de ambos os sexos, buscados insistentemente pelo apóstolo Paulo, com certeza, não saem de moda.

São tão válidos hoje, quanto foram no passado. Por outro lado, a consciência manda-nos observar que bom senso (Continua).

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