MARTA E MARIA
A história sobejamente conhecida, protagonizada ao lado de
Jesus por Marta e Maria, irmãs de Lázaro, se cotejada com a história das outras
discípulas, mostra uma faceta diferente em dois sentidos. Primeiro, pela ênfase
que os Evangelhos dão às demonstrações de apreço e amizade do Senhor por essa
família. Eles eram amigos íntimos e, ao ver Maria e os judeus chorarem a morte
de Lázaro - o texto joanino registra – Jesus chorou. (João 11.35). Segundo,
porque as irmãs não participavam do ministério itinerante do Mestre, conforme
acontecia com a maioria das outras discípulas. Nenhum dos evangelistas registra
a presença delas entre os que acompanhavam o Senhor em Suas jornadas. A
história desenrolou-se pelo caminho inverso. Foi Jesus quem as encontrou, e
passou a abençoá-las ensinando-lhes a Palavra: E aconteceu que, indo eles
(Jesus e Seus discípulos) de caminho, entrou numa aldeia; e certa mulher, por
nome Marta, o recebeu em sua casa; e tinha esta uma irmã chamada Maria, a qual,
assentando-se também aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra (Lucas 10. 38,39).
Dois importantes ensinamentos destacam-se no texto. Primeiramente,
a revelação do que significa "receber a Jesus e ouvi-lO." Atitude
transformadora, verdadeira metamorfose, pela qual a pessoa é alçada à condição
de discípulo de Cristo. Foi justamente, o que sucedeu às duas irmãs, Marta
recebeu-O em sua casa e Maria ouviu o Mestre. Pela pertinência, recorremos ao
texto de Apocalipse 3.20, no qual se lê: Eis que estou à porta, e bato: se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta,
entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo. Palavra que se cumpriu de
maneira esplendorosa na vida dessas mulheres, cujo coração respondeu ao
chamado do Salvador.
Observemos a outra lição que se pode extrair do episódio:
No que concerne a Maria, a anotação de maior consistência
teológica é aquela de estar “sentada aos pés do Senhor” para ouvir a Sua
palavra. Se para o leitor moderno não informado se trata somente da observação
de uma afetuosa e devota atitude de escuta, num contexto da cultura judaica é
algo mais. “Sentar aos pés de” em Israel era uma expressão quase técnica para
indicar a situação discipular. Tornar-se discípulo de um mestre a fim de ser
por ele bem instruído na Lei era vivamente recomendado a todo judeu homem, mas
era quase que inconcebível para uma mulher.
Novamente, em gritante contraste com o costume judaico de
ignorar as mulheres, negando-lhes o direito ao conhecimento das Escrituras, o
Mestre aparece ministrando a palavra a uma mulher. Observe-se que o vocábulo
discípula nem sequer existia em hebraico, idioma no qual a palavra discípulo
não tinha o gênero feminino. A condição das mulheres, em geral, sofreu uma
transformação radical operada pelo Senhor, em todos os seus níveis. Na
realidade, como se um universo tivesse sido edificado especialmente para
acolher o gênero feminino, em relação ao pouco espaço que lhe fora permitido
ocupar na sociedade antiga. Jesus revolucionando, concomitantemente,
edificava.
Marta, vítima de injustiça histórica: Enquanto Maria
encontrava-se aos pés de Jesus, atenta à Sua palavra, conforme relata o texto
de Lucas 10, Marta andava distraída em muitos serviços e, aproximando-se,
disse: Senhor, não se te dá de que minha irmã me deixe servir só? Dize-lhe
pois que me ajude. (v.40). Ao que Jesus lhe respondeu: Marta, Marta, estás
ansiosa e afadigada com muitas coisas. Mas uma só é necessária; e Maria escolheu
a boa parte, a qual não lhe será tirada. (vv. 41b, 42). Historicamente, as
palavras de Jesus têm sido interpretadas como sendo de repreensão à Marta, e o
episódio visto como significativo da vida ativa em contraste com a vida
contemplativa. Isso, além de restringir a riqueza do significado do episódio,
tem determinado um notável e injusto amesquinhamento da figura de Marta, sobre
a qual, a reflexão está voltando hoje com resultado de notável interesse.
Em favor de Marta devemos evocar suas palavras de caráter
profético, quando demonstrou reconhecer a messianidade de Jesus, ao afirmar ser
Ele o Cristo. (João 11.27). Além de tê-lO recebido em sua casa – e em seu
coração - Marta deu mostras de que, também, havia aprendido as Suas lições e
conhecia a Palavra. Podemos avaliar seus conhecimentos, não só pela palavra
profética que proferiu sobre o Salvador, mas, também, pela resposta que disse,
ao Senhor, por ocasião da morte de Lázaro. No momento em que Jesus garantiu-lhe
que Lázaro ressuscitaria, Marta replicou: Eu sei que há de ressuscitar na
ressurreição do último dia (v.24b). Desta vez, porém, Jesus referia-Se ao
milagre que estava prestes a realizar, ao trazer Lázaro de volta à vida. Esse
poder de Jesus, que acabara de Se auto definir como sendo a ressurreição e a
vida, (v.25), Marta viria a conhecer de imediato.
Maria de Betânia, vale lembrar, foi a mulher que ungiu Jesus
com perfume de altíssimo valor, poucos dias antes de Sua morte, conforme relato
do livro de João (12.1-11); assunto já abordado no capítulo A Revolução do
Amor. Para a realização desse ato, concorreram, certamente, o presságio a
respeito da morte próxima de Jesus aliado ao sentimento de gratidão devida a
Ele, pelas inúmeras e grandiosas bênçãos derramadas sobre toda a família.
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