domingo, 8 de fevereiro de 2015

Texto extraído do livro Mensageiras da Ressurreição


                                                         AS TRÊS MULHERES

Atribui-se a ideia de pecadora, que se apegou ao nome de Maria Madalena, à confusão que popularmente se faz a respeito de três mulheres, citadas no Novo Testa­mento. Primeiramente, por confundi-la com a pecadora (anônima), mencionada no livro de Lucas (7.36-50); por analogia à protagonista do episódio, tida pelo povo como a própria Madalena, foi fácil acrescentar ao seu nome o apelido “Arrependida”. Prova cabal de que, na mentali­dade popular, seu nome tornou-se, sem qualquer base bíblica, sinônimo de pecadora – arrependida.

O texto bíblico faz menção a uma mulher realmen­te tachada de pecadora, que ungiu os pés de Jesus na casa do fariseu, chamado Simão. Esse homem escandalizou-se com a cena, pensando que Jesus não a tivesse reconhe­cido como tal e, por isso, até duvidando que Jesus fosse mesmo um profeta. Mas, o Salvador, que é mais que um profeta, tinha conhecimento disso e, também, do que o fariseu estava pensando.

Os versículos 37 e 38, descrevem-na literalmente como pecadora: E eis que uma mulher da cidade, uma pe­cadora, sabendo que Ele estava à mesa em casa do fariseu, levou um vaso de alabastro com unguento; e estando por detrás, aos seus pés, chorando, começou a regar-lhe os pés com lágrimas, e enxugava-lhos com os cabelos da sua ca­beça; e beijava-lhes os pés, e ungia-lhos com o unguento.

Apesar de ter recebido o cognome de pecadora, a mulher cujo nome não é mencionado no Evangelho, seria realmente uma meretriz? Será que as palavras pe­cadora, meretriz ou prostituta, no caso, poderiam ser tomadas como sinônimos? Sobre o assunto, a escritora Lilia Sebastiani pondera de modo oportuno que, se um homem tivesse se aproximado de Jesus, naquele dia, na casa do fariseu, para pedir-lhe o perdão dos seus pecados – um pecador portanto – “ninguém seria levado a pensar exclusivamente em faltas de natureza sexual.” Seria, re­almente, inconcebível. Quem ousaria imaginá-lo envol­vido com prostituição?

Na esteira desse raciocínio, a pesquisadora anali­sando os elementos que compõem a cena e observa:

É muito mais antiga do que o cristianismo a as­sociação mental espontânea mulher-pecado-sexo. Ali se encontravam dois elementos, mulher e pecado, em um clima de acentuada e perturbadora feminilidade. É total­mente instintivo para uma cultura patriarcal identificar a mulher com o sexo e, portanto, a pecadora se torna logo uma prostituta, a mulher “ocasião de pecado” por exce­lência.

Não obstante, ao confundir Madalena com aquela pecadora, e deduzir ser ela (Madalena - ou ambas) me­retriz, pode ocorrer de um mito estar alicerçado sobre outro mito. A malícia humana, como a história de Ma­dalena nos mostra, optou pelo pior. Assim como a esco­lha de Barrabás (Mateus 27.11-31), o qual se livrou da morte, em lugar de Jesus, por escolha do povo, é apenas mais um dentre tantos exemplos bíblicos e históricos da opção humana pelo mal. De igual modo, quanto àquela “pecadora”, não há provas de que o seu pecado fosse o da prostituição; nem que Maria de Magdala fosse meretriz.

A outra, das três mulheres era Maria de Betânia - a irmã de Marta e de Lázaro, ressuscitado por Jesus. Ela é identificada como a outra mulher que, também, ungiu, os pés de Jesus. Todavia, seu gesto teve finalidade diferente, que não a do perdão dos próprios pecados, esclarecida no evangelho de João (12. 1-11). Reconhecida como Maria de Betânia, no texto joanino, nos outros evangelhos seu nome não é mencionado, mas, apenas narrado o acon­tecimento do qual participou. Ocasião que serviu para demonstrar que ela tinha presciência da morte próxima de Jesus. Inferência obtida pela resposta dada por Jesus, quando Judas Iscariotes, na ocasião, reclamou que se po­deria vender o unguento, que era de altíssimo preço, para dar o dinheiro aos pobres. Disse, pois, Jesus: Deixai-a, para o dia da minha sepultura guardou isto (v.7). Surpre­endente a atitude dessa discípula, aprestando-se a ungir Jesus, por pressentir a proximidade de Sua morte, era um assunto a respeito do qual os outros discípulos pareciam não ter uma noção clara.

A outra das três mulheres, a verdadeira mensageira de ressurreição – Maria Madalena - foi quem, na mente popular, e até mesmo em alguns ambientes eclesiais, teve seu nome fundido com o das outras duas. Ela que, na re­alidade, veio a ser chamada Apóstola dos Apóstolos.

Uma parte da responsabilidade pela fusão dos três nomes em uma só pessoa cabe, também, ao fato de que, durante sé­culos, o povo não teve acesso direto à leitura da Bíblia. Até as primeiras quatro ou cinco décadas do século vinte, no Brasil, eram muito raras as edições das Escrituras em português, e o seu preço, muito alto. No resto do mundo não era muito diferente, à exceção dos Estados Unidos e de alguns países cristãos da Europa, posto que a impren­sa não havia alcançado o alto grau de desenvolvimento que hoje possui e que fez com que o preço dos livros se tornasse mais acessível à população em geral. O anal­fabetismo era outro obstáculo para o conhecimento da Palavra. Outrossim, não se pode esquecer que, na Igreja Católica, a leitura direta da Bíblia era vetada ao povo, o qual, segundo os religiosos, seria incapaz de entendê-la.

Nenhum comentário:

Postar um comentário