AS TRÊS MULHERES
Atribui-se a ideia de pecadora, que se apegou ao nome de
Maria Madalena, à confusão que popularmente se faz a respeito de três mulheres,
citadas no Novo Testamento. Primeiramente, por confundi-la com a pecadora
(anônima), mencionada no livro de Lucas (7.36-50); por analogia à protagonista
do episódio, tida pelo povo como a própria Madalena, foi fácil acrescentar ao
seu nome o apelido “Arrependida”. Prova cabal de que, na mentalidade popular,
seu nome tornou-se, sem qualquer base bíblica, sinônimo de pecadora –
arrependida.
O texto bíblico faz menção a uma mulher realmente tachada de
pecadora, que ungiu os pés de Jesus na casa do fariseu, chamado Simão. Esse
homem escandalizou-se com a cena, pensando que Jesus não a tivesse reconhecido
como tal e, por isso, até duvidando que Jesus fosse mesmo um profeta. Mas, o
Salvador, que é mais que um profeta, tinha conhecimento disso e, também, do que
o fariseu estava pensando.
Os versículos 37 e 38, descrevem-na literalmente como
pecadora: E eis que uma mulher da cidade, uma pecadora, sabendo que Ele estava
à mesa em casa do fariseu, levou um vaso de alabastro com unguento; e estando
por detrás, aos seus pés, chorando, começou a regar-lhe os pés com lágrimas, e
enxugava-lhos com os cabelos da sua cabeça; e beijava-lhes os pés, e
ungia-lhos com o unguento.
Apesar de ter recebido o cognome de pecadora, a mulher cujo
nome não é mencionado no Evangelho, seria realmente uma meretriz? Será que as
palavras pecadora, meretriz ou prostituta, no caso, poderiam ser tomadas como
sinônimos? Sobre o assunto, a escritora Lilia Sebastiani pondera de modo
oportuno que, se um homem tivesse se aproximado de Jesus, naquele dia, na casa
do fariseu, para pedir-lhe o perdão dos seus pecados – um pecador portanto –
“ninguém seria levado a pensar exclusivamente em faltas de natureza sexual.” Seria,
realmente, inconcebível. Quem ousaria imaginá-lo envolvido com prostituição?
Na esteira desse raciocínio, a pesquisadora analisando os
elementos que compõem a cena e observa:
É muito mais antiga do que o cristianismo a associação
mental espontânea mulher-pecado-sexo. Ali se encontravam dois elementos, mulher
e pecado, em um clima de acentuada e perturbadora feminilidade. É totalmente
instintivo para uma cultura patriarcal identificar a mulher com o sexo e,
portanto, a pecadora se torna logo uma prostituta, a mulher “ocasião de pecado”
por excelência.
Não obstante, ao confundir Madalena com aquela pecadora, e
deduzir ser ela (Madalena - ou ambas) meretriz, pode ocorrer de um mito estar
alicerçado sobre outro mito. A malícia humana, como a história de Madalena nos
mostra, optou pelo pior. Assim como a escolha de Barrabás (Mateus 27.11-31), o
qual se livrou da morte, em lugar de Jesus, por escolha do povo, é apenas mais
um dentre tantos exemplos bíblicos e históricos da opção humana pelo mal. De
igual modo, quanto àquela “pecadora”, não há provas de que o seu pecado fosse o
da prostituição; nem que Maria de Magdala fosse meretriz.
A outra, das três mulheres era Maria de Betânia - a irmã de
Marta e de Lázaro, ressuscitado por Jesus. Ela é identificada como a outra
mulher que, também, ungiu, os pés de Jesus. Todavia, seu gesto teve finalidade
diferente, que não a do perdão dos próprios pecados, esclarecida no evangelho
de João (12. 1-11). Reconhecida como Maria de Betânia, no texto joanino, nos
outros evangelhos seu nome não é mencionado, mas, apenas narrado o acontecimento
do qual participou. Ocasião que serviu para demonstrar que ela tinha
presciência da morte próxima de Jesus. Inferência obtida pela resposta dada por
Jesus, quando Judas Iscariotes, na ocasião, reclamou que se poderia vender o
unguento, que era de altíssimo preço, para dar o dinheiro aos pobres. Disse,
pois, Jesus: Deixai-a, para o dia da minha sepultura guardou isto (v.7). Surpreendente
a atitude dessa discípula, aprestando-se a ungir Jesus, por pressentir a proximidade
de Sua morte, era um assunto a respeito do qual os outros discípulos pareciam
não ter uma noção clara.
A outra das três mulheres, a verdadeira mensageira de
ressurreição – Maria Madalena - foi quem, na mente popular, e até mesmo em
alguns ambientes eclesiais, teve seu nome fundido com o das outras duas. Ela
que, na realidade, veio a ser chamada Apóstola dos Apóstolos.
Uma parte da responsabilidade pela fusão dos três nomes em
uma só pessoa cabe, também, ao fato de que, durante séculos, o povo não teve
acesso direto à leitura da Bíblia. Até as primeiras quatro ou cinco décadas do
século vinte, no Brasil, eram muito raras as edições das Escrituras em
português, e o seu preço, muito alto. No resto do mundo não era muito
diferente, à exceção dos Estados Unidos e de alguns países cristãos da Europa,
posto que a imprensa não havia alcançado o alto grau de desenvolvimento que
hoje possui e que fez com que o preço dos livros se tornasse mais acessível à
população em geral. O analfabetismo era outro obstáculo para o conhecimento da
Palavra. Outrossim, não se pode esquecer que, na Igreja Católica, a leitura
direta da Bíblia era vetada ao povo, o qual, segundo os religiosos, seria
incapaz de entendê-la.
Nenhum comentário:
Postar um comentário