FÉ E LIBERDADE
Sabemos que Jesus demonstrou das mais diversas formas a Sua
misericórdia e o Seu amor para com todas as mulheres que cruzaram o Seu
caminho. Mas, Seu exemplo e Suas palavras não encontraram eco no coração dos
homens. Eles não conseguiram assimilar a mensagem, nem entender os sinais.
Assim, a mulher continuou amada por Deus e execrada pelo mundo.
Dentre os muitos exemplos registrados no Novo Testamento sobre a ação
benevolente de Jesus para com o humilhado e ofendido gênero feminino, além dos
já citados, está o da mulher cananeia, (Mateus 15. 21-28) uma estrangeira que,
como tal, não era muito bem-vista pelos judeus. Ela buscou o Mestre para pedir
a cura da filha endemoninhada, apesar de os apóstolos terem sugerido que Jesus
a mandasse embora, porque vinha gritando atrás deles na rua. Não obstante,
Jesus atendeu-a, apesar de ser estrangeira, e o foco de sua missão ser Israel e
ter dito: Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. (v
.24b); satisfez o pedido dela, depois de ter testado a sua fé, quando ela
clamou: Senhor, socorre-me (v.25). Ele, então, respondeu-lhe: Não é bom pegar
no pão dos filhos e deitá-lo aos cachorrinhos. Ao que ela replicou: Sim,
Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus
senhores. (v.26-27). Diante dessa confissão, Jesus acrescenta: Ó, mulher!
Grande é a tua fé: seja isso feito para contigo como tu desejas. E desde aquela
hora a sua filha ficou sã. (v.28).
Tanto no presente caso, como no episódio da mulher hemorrágica, em
que mulheres afrontaram os costumes e as leis do patriarcado social e eclesiástico,
o saldo foi positivo. Responsável por essa vitória, o mover da fé sobrenatural
em Cristo ocultava-se sob a aparência de rebeldia, por parte delas. Santa
sublevação, pois encontrava eco no coração de Jesus. A Sua palavra nos
incentiva a não nos conformar com este mundo, mas, a transformar-nos, renovando
a nossa mente, a fim de discernirmos a vontade de Deus. E a fé, certamente,
está entre o que é perfeito, bom e agradável a Ele. (Romanos 12.1-2); bem como
a liberdade cristã, defendida ardentemente pelo apóstolo Paulo, em seguimento à
vontade do Mestre: Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do
mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo.
Tais como: não toques, não proves, não manuseies? (Colossenses 2.20,21). Se
aquelas duas mulheres, a cananéia e a que sofria de hemorragia, se conformassem
com os costumes e a religiosidade de seu tempo, certamente, teriam vivido
derrotadas. No nível do espírito, as palavras de ordem são: fé e liberdade.
Ao pensar em liberdade, são bem lembradas e oportunas as palavras de
João Calvino, teólogo e um dos Reformadores do século 16, quando tratou da
liberdade cristã, em um sentido amplo, ou seja, para toda a humanidade:
Cristo, o libertador, libertou a humanidade caída na escravidão do
pecado e na escravidão das Instituições humanas tirânicas que usurparam a
soberania de Deus. Para Calvino, a liberdade cristã se realiza dentro da humanidade
restaurada como sinal da presença do reino de Cristo já, no meio de um mundo
caído.
Pode parecer estranho citar Calvino neste livro que pugna pela
autonomia do gênero feminino, uma vez que ele não se alinha entre os defensores
do feminismo. Paradoxalmente, porém, suas idéias dão grande ênfase à liberdade
cristã. Nesse sentido, vale a pena encarar o paradoxo e, de posse dos seus
conceitos emitidos na frase acima, olharmos para o outro lado do mundo, para o
Oriente Médio e diversos países asiáticos, onde o império das leis criadas por
“instituições humanas tirânicas” se mostra em plena efervescência ainda hoje.
Convenhamos que, se há um universo onde a soberania de Deus foi ensombreada
por leis humanas perversas e tirânicas esse universo é o das mulheres
muçulmanas, chinesas e indianas só para citar alguns exemplos. Nada muda há intermináveis
séculos para esses povos. Nenhuma abertura se faz na legislação que permita às
mulheres respirar um pouco do ar puro da liberdade, à qual todo ser humano tem
direito.
Na evidência das palavras e atitudes de Jesus Cristo, livrando do
sofrimento e da opressão as mulheres que foram ao Seu encontro ou cruzaram Seu
caminho, firmamos nossa certeza de que a vitória de todos os movimentos em
prol da emancipação feminina, derivam daquele primeiro impulso libertador por
parte Daquele que veio em nome do Senhor. Como contraprova dessa realidade
podemos observar a condição de escravização em que se encontram as mulheres nos
países não alcançados pelo cristianismo, até hoje, cuja pequena mostra vem a
seguir. (continua).