A IMAGINÁRIA
BELEZA DE MADALENA
Alguém consegue imaginar Maria
Madalena como uma mulher feia? Tudo indica que não. A idéia da mulher de
incomparável beleza física tem povoado a mente das pessoas há séculos.
Contudo, essa idealização não possui nenhum respaldo bíblico. Não se encontra
no Novo Testamento alusão alguma à sua beleza, de modo a confirmar tal
conceito. Ao passo que, com outras personagens femininas acontece o contrário,
têm a beleza notada e elogiada, como é o caso de Sara e Raquel, no Antigo
Testamento.
A beleza de Sara é destacada em
Gênesis 13.11 e 14, (tradução de João Ferreira de Almeida) e confirmada pelos
acontecimentos dela decorrentes, pois, chegou a ser, como diríamos em linguagem
de hoje, sequestrada e levada ao palácio do faraó. Contudo, foi salva por intervenção
divina e saiu ilesa desse episódio, (v.20). Segundo as palavras de Abraão, seu
marido, ela era mulher formosa à vista. Devia ser dotada de uma beleza fora do
comum, pois, foi exaltada pelos egípcios e admirada pelos príncipes diante do
faraó, (v.15).
Raquel, mulher de Jacó, um dos
patriarcas bíblicos, também é destaque em matéria de beleza, conforme Gênesis,
29.17b: Raquel era de formoso semblante e formosa à vista. Ao que parece, era
do tipo que desperta amor à primeira vista, porque Jacó se dispôs a trabalhar
sete anos sem salário, para tê-la como esposa; e, depois mais sete anos, por
ter sido enganado pelo sogro, Labão, que lhe entregou a outra filha, Lia, em
lugar de Raquel, descumprindo o prometido. Bastou a Jacó vê-la para amá-la. O
primeiro encontro deu-se à beira de um poço, quando Jacó beijou a Raquel, e
levantou a sua voz, e chorou. (v.11).
Todavia, sobre Maria Madalena não
se encontra indício algum de que fosse bela conforme cantada em prosa e verso
na literatura, e representada no cinema contemporâneo. Inexiste qualquer
informação no Novo Testamento que venha dar suporte à maneira como a imaginação
popular e a arte fantasiam sua figura. Donde surgiu essa idéia? Em parte,
talvez, ao modo como os pintores da arte sacra, principalmente da Renascença,
“retrataram-na”. Imagem bela, de longos e maravilhosos cabelos, fazendo o tipo
mulher-sedução. Atente-se, porém, para o fato de o trabalho artístico ser
fruto da imaginação do artista. Contemporaneamente, pode-se creditar essa
idéia aos cineastas e literatos. Pela criatividade dos tais Madalena é,
infalivelmente, a mulher tentadora e de encantos irresistíveis. Nenhum deles
teria coragem de arriscar a bilheteria de seus filmes ou o lucro de seus
direitos autorais apresentando-a, por exemplo, parecida fisicamente com Madre
Tereza de Calcutá.
Se analisarmos os textos
bíblicos, devemos optar pelo oposto da idéia de beleza. Com referência aos sete
espíritos que Jesus expulsou dela, segundo a mentalidade judaica, poderia
significar que ela havia sido vítima de uma doença muito grave da qual não se
conheciam nem as causas nem a cura.
No cristianismo, os demônios
evocam uma relação com o pecado, sem descartar que têm também relação com as
doenças. Lembremos que Jesus ao repreender a febre na sogra de Pedro, estava
repreendendo um ser demoníaco responsável pelo aparecimento daquele sintoma
(Lucas 4.39).
Ao considerar os fatores saúde e
beleza como indissoluvelmente ligados, sabendo-se que a beleza do corpo
depende necessariamente da saúde, assim é fácil imaginar a devastação que a
doença deve ter causado ao físico dessa mulher. Conquanto estejamos no terreno
das conjecturas, acho mais difícil pensar em Maria Madalena como um paradigma
da beleza física, do que vê-la destituída da mesma, conforme advertem os
teólogos:
“Maria de Mágdala podia ser uma
mulher idosa e fisicamente insignificante, podia ter tido um marido ou te-lo
ainda [...] Para a mentalidade religiosa do homem ocidental, porém, imaginá-la
jovem, bonita e solteira era quase inevitável, porque essencial à sua função de
símbolo: ela devia configurar-se como um objeto de desejo na forma mais
típica.”
A verdadeira beleza atribuída a
Madalena, seria encontrada, indubitavelmente, em seu espírito. Esse sim,
indescritivelmente belo, porque envolto pela luz que emana dos céus, através de
Cristo. No entanto, esse aspecto desperta pouco interesse. Ao que parece, a transformação,
psicológica, física e espiritual - pela qual passou e que foi radical é algo
muito difícil de ser apreendida pela inteligência humana. Encontrada no fundo
do poço, dominada por demônios, enferma, foi liberta por Jesus Cristo, e viu a
luz brilhar em seu caminho com tal intensidade a ponto de fazer dela a
emissária da ressurreição. Tal como ela, o gênero feminino cresceu em
dignidade, respeitabilidade e obteve a autonomia espiritual. (Continua).